Setor de petróleo, gás e carvão já começa a sentir os efeitos de “campanhas de desinvestimento”
A Folha de S Paulo organizou essa semana um fórum sobre mobilidade urbana no qual o carro foi o grande vilão, a ponto de o ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná, Jaime Lerner, sair-se com essa frase: “o carro é o cigarro do futuro”.
Lerner referia-se às enormes campanhas de conscientização a respeito dos males do cigarro que tomaram o mundo a partir dos anos 1980 e resultaram em leis contra a publicidade do tabaco e na restrição dos fumantes a lugares específicos, entre outras medidas. No âmbito financeiro, as empresas do setor deixaram de receber grandes investimentos ao longo dos anos.
É difícil prever se o carro será mesmo o “cigarro” do futuro. Mas é certo que uma parte muito importante da cadeia automotiva já enfrenta problemas: a indústria dos combustíveis fósseis.
As grandes companhias de petróleo, gás natural e carvão começam a ser preteridas pelos portfólios dos fundos de investimento.
Em julho último, por exemplo, o Banco Mundial decidiu restringir os aportes de investimento e financiamento em usinas geradoras de energia movidas a carvão mineral. A entidade espera, com essa atitude, animar o Banco de Desenvolvimento da Ásia, o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento, o Banco Africano de Desenvolvimento e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre outros, a adotar o mesmo critério e modelar uma mudança mundial em direção às fontes sustentáveis de energia, com baixas emissões de gases de efeito estufa e menores impactos socioambientais.
No início desse mês, a Universidade de Oxford divulgou um estudo sobre ativos improdutivos (stranded assets) e a campanha de desinvestimento no setor de combustíveis fósseis. O cerne do estudo é entender o impacto dessas iniciativas no valor dos ativos dessa indústria.
O estudo verificou que as campanhas de desinvestimento têm três ondas: a primeira onda começa quando um grupo pequeno de investidores desiste de aportar recursos na indústria. A quantia é pequena e o ato serve para conscientizar o público. A segunda onda, que pode se dar alguns anos depois, ocorre quando universidades de ponta no mundo, como Harvard, anunciam que vão reduzir os recursos em pesquisas no setor; a terceira onda é global, busca atingir os grandes fundos de pensão e chegar a mais pessoas no mundo.
O estudo também concluiu que a campanha pelo desinvestimento na indústria fóssil está na segunda onda e, desde 2010, mais de 40 instituições financeiras aderiram a medidas semelhantes à do Banco Mundial, motivadas por campanhas ambientais e climáticas.
O estudo esclarece que esse fato nem de longe permite concluir que as empresas do setor estão correndo risco de falência. Elas possuem enormes reservas de capital e ainda atraem potenciais investidores. Mesmo assim, o processo já começou e deve ser considerado nas projeções futuras que forem feitas, pois em outros casos, e o do tabaco é o mais emblemático, os efeitos foram sentidos de várias maneiras, em vários lugares do mundo e com ações de diversos tipos.
As campanhas podem criar no longo prazo a estigmatização do setor. No caso do petróleo e gás, o processo pode atingir não só as companhias de combustível fóssil, mas a cadeia produtiva delas decorrente.
Da estigmatização provêm leis mais restritivas para o setor, de âmbito nacional ou internacional, pois o “lobby” vai crescendo e as mensagens das campanhas vão ganhando força na sociedade.
O resultado da estigmatização representa uma ameaça muito maior às empresas do que a fuga de investidores. Ela pode criar empresas com imagem indelevelmente ruim, que sejam sempre citadas pela mídia, como exemplo de algo que não se deve fazer.
O estudo também ressalta a importância da boa governança para enfrentar e superar essas campanhas.
O que seria uma boa governança na indústria de combustíveis fósseis?
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